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O que o Lava-pés ainda nos ensina?

Por Rangel Ramos
lava-pés

DÍZIMO

Texto bíblico base para o Lava-pés:

“Depois disso, derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos seus discípulos, enxugando-os com a toalha que estava em sua cintura”. João 13.3-5.

O DIA DO LAVA-PÉS

O lava-pés é um dos episódios mais conhecidos do Evangelho. É também um dos atos de Jesus que inspira o Ministério Uns Aos Outros. Você já deve ter percebido que aqui no nosso ministério ninguém é maior que ninguém. Nós nos desafiamos constantemente para fazer valer o nosso discurso. E, não é fácil.

Mas, mais importante do que fazemos por aqui é o que você faz por aí. Como você lida com o mandamento de Jesus? Será que Ele já lavou os seus pés? O que isso significa?

Por que um deus abandonaria o alto de sua glória para lavar os pés de seus devotos? Você pode procurar na história das religiões, nos mitos de origem das culturas ou em qualquer outro dado teleológico. Nenhum outro deus fez o que Jesus fez.

Você não vai encontrar uma narrativa que fale de um deus, antes de Jesus, ou depois, que se submeteu a um dos atos de serviço mais submissos da dinâmica das relações humanas.

O lava-pés mostra Jesus fazendo o trabalho destinado ao escravo de uma casa tradicional do império romano. O teólogo J. Jeremias diz que o escravo que lavava os pés dos visitantes era o “funcionário” mais inferior da casa.

Para os filósofos da religião isso chega a ser um contrassenso. Como pode um deus se relacionar com seus súditos se colocando abaixo deles?

Na concepção filosófica um deus não pode demonstrar amor, pois o amor limitaria o poder divino! Mas, como sabemos, Jesus é subversivo aos preceitos humanos. Ele está para além dos padrões e expectativas humanas em relação à divindade.

Jesus atravessa as relações de poder desconfigurando nossa percepção sobre como desenvolver nossa espiritualidade.

Por que Jesus lava os pés dos seus discípulos?

Jesus lava os pés de seus discípulos para ser didático. Para exemplificar um ensinamento muito profundo sobre liderança. Os discípulos não entendem de imediato, mas depois, quando o Espírito Santo vem, os apóstolos começam a compreender que precisavam ser os “menores” daquela comunidade que estava começando.

Os discípulos passam a perceber que o poder não está na força, mas na fraqueza. Que a potência divina do Cristo está na sua submissão à vontade de Deus.

Diferentemente do império Romano, o poder não é resultado de domínio, fruto do medo. Para Jesus, o poder reside na compaixão, no perdão e na relação sincera entre líder e liderado.

E, dessa forma, passamos a compreender que o poder da comunidade cristã não está em seu número de adeptos. Tampouco na quantidade de países que foram evangelizados, catequizados ou afins.

O poder da comunidade cristã está no quanto conseguimos expressar o amor de Jesus. O amor visto no dia do lava-pés. 

 

A questão aqui é qualidade e não quantidade. Afinal, não adianta nada sermos a expressão religiosa que mais cresce no Brasil se a miséria ainda existe, se a injustiça ainda existe, se a maldade e a indiferença ainda pautam nossas ações.

Não adianta nada eleger representantes cristãos para o espaços de poder se a realidade da nação não muda. Se os mesmos sujeitos outrora ditos cristãos estão sendo investigados por crimes de corrupção e afins.

No lava-pés Jesus mostra aos seus discípulos que eles precisam aprender a estar na camada mais baixa da sociedade. Eles precisam sentir o que aqueles sofrem, sentem.

Precisamos descer dos nossos púlpitos, dos palcos e dos altares para começar a lavar os pés dos que nos cercam. Lavar os pés daqueles que não tem voz. Daqueles que não sabem recorrer aos seus direitos.

O fato de termos mais acesso à informação, ou à revelação divina, não nos faz melhores do que os outros. Na bem da verdade, nos faz em dívida com os outros.

Se nos consideramos salvos, então, nossa obrigação é demonstrar os frutos de tal salvação. E, ao frutificar, as mudanças sociais acontecerem.

O nosso papel enquanto igreja é estar no outro extremo do poder instituído, lutando contra os que abusam do poder em benefício próprio. Isso sim é ser profético.

O amor de Jesus liberta

Ao lavar os nossos pés, Jesus nos ensina que devemos amar as pessoas independentemente dos sistemas de crenças, filosofias ou da classe que elas pertencem.

Precisamos amar as pessoas sem querer mudá-las por causa de nossa moral religiosa, ou mudá-las pra dar conta do que as nossas doutrinas exigem. 

A bem da verdade é que precisamos parar de  impor as “normas de conduta” que chamamos de “evangelho” sobre as pessoas, sobre as culturas, sobre os povos que chamamos de “não-alcançados”. Isso é um desrespeito, uma violência.

Me desculpem, mas isso não é amar.

Não é transformando os outros em cristãos que eles conhecerão o amor de Jesus. Não é catequizando todo mundo que o mundo será um lugar melhor. Uma coisa não tem a ver com a outra. O processo é no sentido contrário a isso. Primeiro amamos sem impor condições e, depois, as pessoas escolhem se querem ser cristãs, ou não.

O amor de Jesus é tão transcendente, mas tão transcendente, que ele nos liberta, inclusive, para que possamos crer no que quisermos.

A doutrina teológica cristã, por outro lado, nos leva a ter uma postura violenta sobre as pessoas que creem diferente de nós. E isso precisa mudar.

Se você prestar bem atenção nos Evangelhos, Jesus não questiona a crença de ninguém. Ele, apenas ama. E, ama, inclusive, quando é traído por alguém que anda lado a lado com ele.

Você conhece a história, Judas não creu na divindade de Cristo. Mas, Jesus não deixou de amá-lo. Inclusive, Jesus também lavou os pés de Judas.

É importante lembrar que de acordo com o texto bíblico Judas estava à mesa com Jesus. Ele saiu porque quis. Entregou a localização de Jesus para os soldados do Templo porque quis. Ele exerceu o livre arbítrio ao qual todos nós também temos direito.

E, depois de ter seus pés lavados, depois de ter participado da ceia, depois de ter ouvido tudo o que Jesus havia dito sobre si.  Judas, voluntariamente, saiu e foi falar com os líderes judeus. Judas agiu assim porque dentro de sua cosmovisão achava que o que estava fazendo era o certo.

Judas compreendeu que o reino que Jesus estava propondo era um reino espiritual. Inclusive, até brincamos entre os teólogos que Judas foi o único dos discípulos que, realmente, entendeu que Jesus não estava propondo um reino político ou uma reforma econômica. 

Talvez, você também acredite que o “certo” é que as pessoas mudem suas crenças, suas tradições, suas práticas ritualística para, então, serem amadas por Jesus. O que tenho a te dizer é que o amor de Deus transcende tudo, inclusive, o meu e o seu achismo.

O amor de Jesus é libertador. E, assim como desejamos que ele liberte as pessoas de suas crenças limitantes, nós também precisamos ser libertados da nossa própria religiosidade. Jesus nunca esteve interessado em fundar uma nova religião. O que ele nos ensina é exercer uma espiritualidade livre que resulte no amor uns pelos outros.

Jesus ama Incondicionalmente

Jesus lava os pés de quem ele bem entender. Ele salva quem ele bem entender. Nem eu, nem você, temos nada a ver com isso. O nosso papel é, apenas, seguir o exemplo de Jesus e, simplesmente, amar sem estabelecer condições para isso. 

Amar uns aos outros como Ele nos amou. Veja a potência disso. Nós também devemos amar todas as pessoas como ele nos amou. Afinal, Jesus é o novo padrão de amor que precisamos ter.  

Pense comigo!

Antes, o padrão era amar os outros como a si mesmo. Esse é o padrão estabelecido pela Lei Mosaica, que veio para substituir a dinâmica da Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente”. 

Jesus ressignifica a Lei escrita por Moisés. Ele mostra que a vingança (lei de talião) não resolve. E, também, mostra que amar os outros como nós mesmos ainda não é suficiente.

O novo padrão é amarmos uns aos outros como Jesus nos amou. E como ele nos amou? Ele lavou nossos pés. Ele nos chamou à mesa e partilhou o pão. Ele morreu por mim e por você.

Temos até uma música com esse nome (clique aqui para ouvir)

Jesus nos amou ao ponto de morrer. Esse é o nível mais profundo de amor. Talvez, jamais conseguiremos fazer isso. Mas, ele deve ser a nossa referência. O alvo a ser seguido.

Afinal, se um deus deixou sua glória, se tornou como nós e morreu para nos livrar da justiça divina, o mínimo que podemos fazer é tentar amar [incondicionalmente] uns aos outros, assim como ele nos amou.

Minha oração é que toda quinta-feira de lava-pés possamos lembrar dessa atitude inspiradora de Jesus e, antes de enquadrar as pessoas em padrões que temos por “certos” possamos amá-las, incondicionalmente, amá-las.

Rangel Ramos

Bacharel em Teologia e em Comunicação. Professor na PUC-PR. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Escreve sobre liderança, desenvolvimento pessoal e textos devocionais. É um dos idealizadores do movimento Uns Aos Outros.

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